A história nunca deixa de acontecer, tudo é história. Com o passar do tempo, podem-se averiguar os fatos acumulados e determinar o que importa para entender um contexto específico. É um processo contínuo, no qual uma realidade se impõe sobre as outras. No caso do cinema e das demais expressões artísticas, esta sucessão de fatos forma uma linguagem, uma tradição. Impossível precisar o impacto da era digital nesta história, até porque ela começou a ser escrita agora.
Grande parte da produção cinematográfica continua a ser em película, embora quase todos os filmes sejam editados em computador. Os motivos são vários e passam pela qualidade de imagem superior do suporte analógico e pela flexibilidade dos programas de edição virtual. O choque de tecnologias ocorre também na comercialização. Se o custo reduzido na captação e na finalização em vídeo seduz realizadores, estes são obrigados a fazer cópias em 35mm para penetrar num mercado em que milhares de exibidores seguem fiéis ao padrão tradicional. Em outras palavras, o cinema de hoje é tanto analógico quanto digital. Vive-se um momento de transição.O que esperar de um modelo que dispensa a película? Para o artista, mais frutífero do que especular sobre o futuro deve ser desfrutar o presente. Da mescla da linguagem que reinventou as outras (o cinema) com uma derivada da televisão e que também tem histórico de experimentação formal (o vídeo), é de se esperar que se consolide uma terceira – vinculada aos valores estéticos de ambas, mas renovada. Há muito a testar nesta fase de inter-relações. Ainda que a película não tenha cumprido seu ciclo, do vídeo digital pode surgir outro cinema.
Estas idéias motivaram a realização da mostra Analógico Digital. Na mesma medida que mune o público de informações práticas, levanta as questões mal-resolvidas em período de incertezas. A programação conta com 20 longas-metragens de diferentes nacionalidades e sete curtas brasileiros. Mesmo tendo sido lançados em 35mm, todos foram produzidos em vídeo ou com o auxílio de computação gráfica. Os filmes em questão apontam esta contradição. Já se esboça uma história a partir dela, a do cinema digital. Esta se revela repleta de nuances, o que indica uma variedade de possibilidades para a própria arte.
Gustavo Galvão
Cineasta
A Bruxa de Blair | (Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, EUA, 1999, ficção, 86’) | 14 anos
Em 1994, três estudantes de cinema desapareceram nos bosques perto de Burkittsville enquanto produziam um documentário. Encontrado um ano depois, o material captado revela o que aconteceu com o trio.
A Festa Nunca Termina | (Michael Winterbottom, Grã-Bretanha, 2002, ficção, 117’) | 18 anos
Manchester, 1976. Tony Wilson vê um show dos Sex Pistols e decide entrar no ramo da música. Logo se envolve num turbilhão de sexo, drogas e música pop.
A Inglesa e o Duque | (Éric Rohmer, França, 2001, ficção, 129’) | 14 anos
Jovem escocesa tem um romance conturbado com o Duque de Orleans. Defensora da monarquia, ela tenta conciliar seus sentimentos com a postura do duque, partidário da Revolução.
À Margem do Concreto | (Evaldo Mocarzel, Brasil, 2005, documentário, 80’) | Livre
Documentário sobre os sem-teto e a atuação dos movimentos de moradia em São Paulo.
As Bicicletas de Belleville | (Sylvain Chomet, França/Bélgica, 2003, animação, 80’) | 10 anos
Para agradar o neto, Madame Souza lhe dá uma bicicleta de presente. Ele cresce, torna-se ciclista e acaba seqüestrado. Com a ajuda do cão Bruno, Madame Souza parte numa aventura em busca do neto.
Buena Vista Social Club | (Wim Wenders, Alemanha/Cuba, 1999, documentário, 105’) | Livre
Músicos da velha guarda cubana contam histórias no estúdio e em passeios por Havana.
Caché | (Michael Haneke, França, 2005, ficção, 117’) | 16 anos
Georges é apresentador de tevê. Ele e sua mulher têm a rotina abalada quando uma fita de vídeo é deixada na porta de casa. Novas fitas e desenhos misteriosos trazem detalhes que Georges sempre manteve em segredo.
Dançando no Escuro | (Lars von Trier, Dinamarca, 2000, ficção, 140’) | 14 anos
Selma é uma imigrante tcheca que vive nos EUA, em 1964. Trabalha 16 horas por dia em uma fábrica e faz hora extra para reunir o dinheiro da operação do filho, vítima de doença degenerativa nos olhos – como ela.
Elogio ao Amor | (Jean-Luc Godard, França, 2001, ficção, 97’) | 14 anos
Em uma parte do filme, cineasta procura atores para um projeto. Na outra, vê-se o que ele fazia cerca de dois anos antes: pesquisava a vida de um herói francês da Segunda Guerra, assediado por Steven Spielberg para uma superprodução.
Entreatos | (João Moreira Salles, Brasil, 2004, documentário, 117’) | Livre
Cenas da campanha de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República, em 2002, foram captadas com exclusividade para esse documentário que faz um perfil do candidato e revela os bastidores de um momento histórico.
Festa de Família | (Thomas Vinterberg, Dinamarca, 1998, ficção, 105’) | 14 anos
Família tradicional se reúne em hotel para celebrar o aniversário de 60 anos do patriarca. A festa traz à tona traumas do passado. Diversas revelações atiçam intrigas pessoais, ódio e preconceito racial.
Fuckland | (José Luis Marqués, Argentina, 2000, ficção, 85’) | 18 anos
Inconformado com a perda das Ilhas Falklands para os britânicos, anos depois da Guerra das Malvinas, um jovem decide repovoar o arquipélago de argentinos. Para isso, tem que seduzir mulheres e fazer o máximo de filhos que puder.
Lúcia e o Sexo | (Julio Medem, Espanha, 2001, ficção, 128’) | 18 anos
Após o sumiço do noivo, garçonete de Madri decide se isolar em ilha do Mediterrâneo onde ele nunca a quis levar – apesar dos pedidos insistentes dela. Lá, ela descobre detalhes sobre os relacionamentos antigos dele.
O Fim e o Princípio | (Eduardo Coutinho, Brasil, 2005, documentário, 110’) | Livre
Equipe de cinema chega ao sertão da Paraíba para ouvir histórias. Quase todos os entrevistados são idosos e deixam transparecer um mundo perto de desaparecer.
O Homem Urso | (Werner Herzog, EUA/Canadá, 2005, documentário, 103’) | 12 anos
Por 13 verões, Timothy Treadwell viveu com os ursos do Alasca. Antes de ser morto por um deles, registrou a convivência em vídeo. As fitas deixadas por ele servem de base para explorar sua personalidade.
O Mistério de Oberwald | (Michelangelo Antonioni, Itália, 1981, ficção, 128’) | 14 anos
Sebastian invade o Castelo de Oberwald com o objetivo de matar a rainha, mas ele não tem coragem para efetuar o crime. Então, ela o desafia a matá-la. Baseado em peça de Jean Cocteau.
O Prisioneiro da Grade de Ferro (Auto-retratos) | (Paulo Sacramento, Brasil, 2004, documentário, 123’) | 16 anos
Um ano antes da desativação do Carandiru, detentos aprendem a usar câmeras de vídeoe documentam seu cotidiano no maior presídio da América Latina.
Os Idiotas | (Lars von Trier, Dinamarca, 1998, ficção, 117’) | 18 anos
Grupo de amigos forma uma sociedade dedicada a explorar todos os aspectos da idiotice como valor de vida.
Sin City | (Robert Rodriguez e Frank Miller, EUA, 2005, ficção, 124’) | 16 anos
Hartigan deve proteger dançarina; Marv quer vingar a morte do amor de sua vida; e Dwight persegue um psicopata que ameaça prostitutas. Estes tipos povoam a “Cidade do Pecado”.
Waking Life | (Richard Linklater, EUA, 2001, animação, 101’) | 12 anos
Sem conseguir acordar de um sonho, rapaz encontra pessoas da vida real em seu mundo imaginário. Eles conversam sobre a consciência humana, filosofia e religião.
A Lente e a Janela | (Marcius Barbieri, 2005, ficção, 12’) | Livre
Menina ganha uma câmera no Natal e se transforma através da lente e da janela.
A Menina do Algodão | (Daniel Bandeira e Kleber Mendonça Filho, 2002, ficção, 8’) | 14 anos
Desde os anos 1970, garotinha morta aterroriza crianças nas escolas do Recife.
Memória sem Visão | (Marco Valle, 2006, documentário, 18’) | Livre
Por meio de memórias anônimas, vislumbra uma região da cidade de São Paulo.
O Lobisomem e o Coronel | (Ítalo Cajueiro e Elvis Kleber, 2002, animação, 10’) | Livre
Repentista cego narra a história de lobisomem que apareceu para mudar a rotina num vilarejo.
Superfície | (Jimi Figueiredo, 2004, ficção, 6’) | 14 anos
Mulher põe fim a um relacionamento. Nesta história, a verdade é o que menos importa.
Território Vermelho | (Kiko Goifman, 2004, documentário, 12’) | 12 anos
Vendedores e moradores de rua entrevistam motoristas em São Paulo.
Trecho | (Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina, 2006, documentário, 16’) | Livre
Acompanha a caminhada de Libério de Belo Horizonte a Recife. “Estética em formação: o processo de criação de um filme digital”, debate com José Eduardo BelmonteDiretor dos longas A Concepção (2005) e Subterrâneos (2003), Belmonte falará sobre a realização de Meu Mundo em Perigo – seu primeiro filme captado em vídeo, com lançamento previsto para novembro. Estarão em debate as peculiaridades do suporte e suas implicações na execução e finalização do projeto. Antes da conversa, serão exibidos trechos do filme.
Patrocínio: Banco do Brasil
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Concepção e curadoria: Gustavo Galvão
Produção: Lavoro Produções Artísticas
Produção executiva: Lara Pozzobon
Assistentes de produção: Guilherme Campos (Brasília), Maria Gabriela Ramos (São Paulo), Simone Evan (Rio de Janeiro)
Textos: Gustavo Galvão
Revisão de textos: Daniele Sousa e Silva
Assessoria de imprensa: Liliam Hargreaves (Rio de Janeiro) ProCultura/F&M (São Paulo) Tátika Comunicação e Produção (Brasília)
Design e produção gráfica: Anticorp Design
Agradecimentos: Jorge Ruffinelli